sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

One fight or two e os zande

Hoje foi e era a discussão de pai, mãe e filho, depois de uma noite fazendo compras para as festividades natalinas: Por que Deus não existe? Eu respondi: Deus existe se você crer que ele exista. Minha mãe concordou com isso. Meu pai disse: Não, eu não consigo percebê-lo.

Aí ele se propõe a dizer: Religião é uma forma de estabilização social, tem seu aspecto funcional para um bem. A verdade a gente consegue, há aspectos na natureza que são verdadeiros.

Aí eu perguntei para ele: então como morremos? Ele diz: "morremos porque nossas células começam a se embaralhar nas suas codificações genéticas, e as células enfraquecem e o corpo morre. Mas uma coisa é verdade, pois o sexo foi a invenção da natureza para conseguirmos nos manter".

E aê eu gritei: "Mainha! painho é funcionalista e positivista!"
Ela falou: "que pena..."

Meu pai se danou...




"Azande: Alguém me embruxou"
A ciência é uma verdade maior do que as outras, e eu confio nessa premissa. Dou nexos causais a muitas coisas por esse conhecimento científico, minha mãe também. Mas parece que a posição ética tem de dizer que não é errado pensar "misticamente", pois se eles não estão certos, ao menos não estão errados em pensar assim. E da mesma maneira, se houvesse um parâmetro de verdade que constatasse a existência de um Deus superior, seria muito difícil convencer meu pai de dizer "sim, existe um Deus que controla seus movimentos e tudo o que você faz e deixa de fazer".



Eu quero esse posicionamento ético de pluralidade. Eu nao tô certo, nem ele está errado. E dizer que o mundo é uma bruxaria só também é legal, é legítimo e verdadeiro, mesmo que eu nao ache. Se a verdade é una, então lanço uma verdade una: nunca conseguiremos saber o que é verdade (axioma;P).
E aê eu mostro uma etnografia de Evans-Pritchard, bastante interessante :)



Sobre o povo Azande, no Sudão, Evans-Pritchard vai demonstrar que “o conceito de bruxaria fornece a eles uma filosofia natural por meio da qual explicam para si mesmos as relações entre os homens e o infortúnio(...)”[1]. Todos os acontecimentos na vida dos zandes estão influenciados pela bruxaria.
A bruxaria é onipresente (...) é um tópico importante da vida mental, desenhando o horizonte de um vasto panorama de oráculos e magia; sua influência está claramente estampada na lei e na moral, na etiqueta e na religião; ela sobressai na tecnologia e na linguagem. Se uma praga ataca a colheita de amendoim, foi bruxaria; se o mato é batido em vão em busca da caça, foi bruxaria; se uma esposa está mal-humorada e trata seu marido com indiferença, foi bruxaria (...)”[2]

O antropólogo foi tentar explicar sua teoria sobre alguns fatos ocorridos que eram considerados infortúnios de acordo com suas teorias científicas, lógicas para ele, homem europeu do século XX.
“Certa vez um rapaz deu uma topada num pequeno toco de árvores no meio de uma trilha no mato – acontecimento freqüente na África – e veio a sentir dores e desconforto em conseqüência disso. Foi impossível, pela sua localização no artelho, manter o corte limpo, e ele começou a infeccionar. O rapaz declarou que a bruxaria o fizera chutar o toco. Eu sempre discutia com os Azande e criticava suas afirmaçãos, e assim fiz nessa ocasião. Disse ao rapaz que ele batera com o pé no toco porque tinha sido descuidado, e que não fora bruxaria que colocara o toco na trilha, pois ele crescera lá naturalmente. Ele concordou que a bruxaria nada tinha a ver com o toco estar na trilha, mas observou que tinha ficado de olhos abertos para tocos, como realmente todo zande faz, e que, portanto, se não tivesse sido embruxado, te-lo-ia visto. Como argumento definitivo, a seu ver, lembrou que os cortes não levam dias para cicatrizar – ao contrário, fecham logo, pois esta é a natureza dos cortes. Por que então sua ferida infeccionara e continuava aberta, se não havia bruxaria por trás dela? Como não tardei a descobrir, essa pode ser considera a explicação zande básica para as doenças”.[3]
[1] EVANS-PRITCHARD (1999, p.49)
[2] EVANS-PRITCHARD (1999, p.49)
[3] EVANS-PRITCHARD (1999, p.51)